Finalizada Em: 12/06/2018

Capítulo Único

Quando o vi pela primeira vez que me lembro...

Não me lembro muito bem do que aconteceu exatamente. Arrependo-me completamente por não ter prestado atenção em cada detalhe do que ocorreu naquele dia, mesmo no estrondo que quase me ensurdeceu.
O pouco que se manteve assombrando minha mente é a lembrança da minha perna que doía, não tanto quanto esperava que doesse com uma ferida daquelas, os médicos disseram que algo havia caído sobre minha perna durante a explosão, mas eu não tenho certeza disso.
Estava atrás de um prédio qualquer enquanto fumava no escuro completo, procurava algo para acalmar minha mente e os sentimentos de solidão que tomavam meu corpo, no começo apenas o cigarro já me servia, mas logo ele começou a piorar o que eu sentia me obrigando a procurar por algo mais.
Mesmo que procurasse fugir da solidão, queria estar sozinha no breu da noite e enquanto juntava a carreira fina do pó branco, a explosão aconteceu. Como já disse que não me lembro bem, fico perdida entre a possibilidade de ter sido jogada no chão pela explosão ou ter feito isso por conta própria.


- Você está bem? – a voz masculina soou em meu ouvido, não sabia nem mesmo se havia ficado desacorda por muito tempo atrás do prédio. Ao longe, o barulho irritante da sirene soava e cada vez parecia estar mais perto.
Grunhindo de dor tentei me levantar, minha cabeça tilintava e meus ouvidos não pareciam trabalhar muito bem, uma estranha pressão fazia eu ouvir mais meu próprio coração do que o que acontecia lá fora, virando-me deitada sobre o chão úmido, me deparei com a imagem mal iluminada de um homem alto, naquele momento não pude reconhecê-lo. A sombra se movimentou quando os bombeiros chegaram até mim.

A segunda...

Quando me lembro daquela manhã me sinto novamente envergonhada, havia acordado no quarto de um desconhecido, minha perna doía. O quarto era claro de mais, a ponto de piorar minha dor de cabeça. As coisas voltavam em pedaços até minha mente fazendo-me lembrar da explosão na noite anterior, mas aquele não era um quarto de hospital.

A imagem loira que adentrou o quarto me deixou assustada, mas logo ele me explicou o que havia acontecido.
- Os bombeiros prestaram os primeiros socorros e como seu machucado não era perigoso, foram cuidar das outras vitimas da explosão. – dizia o loiro sorrindo enquanto andava pelo quarto recolhendo roupas masculinas. Arregalei os olhos puxando as cobertas sobre mim ao perceber que aquele quarto era dele, os olhos azuis pararam sobre mim enquanto pareciam me estudar. A raiva ferveu dentro de mim enquanto minhas bochechas se esquentavam.
- E VOCÊ RESOLVEU SE APROVEITAR DE UMA MULHER MACHUCADA? – gritei agarrada nas cobertas, a resposta que tive foi um sorriso estranhamente animado, o que parecia apenas responder minhas teorias.
- Dormi no motel aqui perto. – disse ele deixando a nota sobre o criado mudo ao lado da cama enquanto, como um animal assustado, me afastei até quase cair da cama. Parecia querer que eu visse o papel amarelado para acreditar no que me dizia. – Achei inadequado deixar uma mulher machucada lá e você me parecia indisposta para falar. Disse a eles que a conhecia...

Lembro-me vagamente de murmurar coisas sem nexos enquanto as luzes da cidade se tornavam um borrão em quanto era movimentada, por um carro ou alguém que me carregava.

- Você... – ele franziu o cenho, parecia ter entendido o que eu havia imaginado. O rosto do homem se tornou avermelhado. – O café da manhã está servido na cozinha, coma. – disse em quase uma ordem, o que me fez perguntar-me que tipo de relacionamento ele achava ter comigo.

A terceira...

Acho que não ouve uma vez sequer que ele apareceu e não fiquei envergonhada, parecia que escolhia os momentos a dedo.

Estava sentada em um banco na pequena praça no centro da cidade, enrolava um pedaço de papel torto que havia rasgado em volta da erva, sedenta para entrar naquele mundo de fantasia que me aguardava. O frio levava minhas mãos a tremerem enquanto fungava ansiosa, apenas respirar fazia minhas narinas doerem.
Vez ou outra olhava a minha volta para ter certeza que nenhum guarda iria vir para me encher o saco.
- Está esperando alguém? – aquela pergunta fez um arrepio subir por minha espinha, por um momento deduzi ser quem mais temia, até olhá-lo e me deparar com a imagem do homem loiro que me parecia cada vez mais familiar e cada vez me perseguir mais. Fiquei em silêncio escondendo a erva em minha mão enquanto minhas bochechas esquentavam, não sabia ao certo se estava envergonhada por ser pega naquilo ou por ser pega por ele. – Então me acompanhe. – disse ele simplesmente deduzindo minha resposta para sua pergunta anterior, engoli em seco. Ele estava pretendendo me levar até a delegacia? O loiro seguiu em frente de costas para mim, esperava que o seguisse e foi exatamente o que não fiz.
Com cuidado me levantei do banco e segui silenciosa para o lado contrário, quando ele me chamou novamente fazendo meu coração acelerar.
- Vamos até o cinema. – disse calmamente, me virando para ele deparei-me com a imagem sorridente.
- Eu te conheço? – perguntei um pouco fria enquanto o olhava estudando o que pretendia fazer comigo. Por que diabos ia convidar uma mulher toda errada no meio da noite para ir ao cinema? Duvidava que estivessem passando algum filme naquela hora.
- Essa pergunta me deixa um pouco magoado. – disse o loiro observando-me enquanto tombava sua cabeça levemente para o lado, um único movimento que me fez querer apertar as bochechas de um completo estranho no meio de uma praça vazia a meia-noite.
- Tá, eu sei que me ajudou na explosão. – revirei os olhos, ele achava que eu era louca? Talvez por isso estivesse me chamando para ir ao cinema, para depois ter algo a mais.
- Não lembra de mim? – perguntou franzindo o cenho.
- Eu já disse que me lembro de ter me ajudado e ah! Obrigada, se é isso que quer ouvir. – suspirando me virei de costas o deixando para trás.
- Você sumiu da faculdade! Se não fosse por não terem dito nada, acharia que você tinha morrido. – sua voz soava mais alta, me fazendo parar, mas não exatamente por seu timbre e sim pelo o que dizia. – Estávamos na mesma turma de medicina... Sei que não era muito notável, mas a turma não era tão grande assim. – me virei sentindo um nó na garganta enquanto o olhava atentamente pela primeira vez. – Vamos ao cinema? – perguntou ele sorrindo agradavelmente enquanto me estendia à mão convidativo.

Ele se infiltrou em minha vida...

Não sei ao certo como aquilo aconteceu, mas depois de termos ido ao cinema ele esteve cada vez mais presente em meus dias, às vezes aparecia nos mesmos lugares que eu estava - o que me fazia pensar que me perseguia -, as vezes me ligava ou mandava mensagem convidando-me para algo e eu ia. A presença de Mathew aquecia-me de uma forma que eu não podia explicar com tão pouco tempo de convivência, mas a única coisa que podia fazer era aceitá-lo agradavelmente. Depois do que aconteceu me afastei de tudo e todos e fiquei sozinha, quando vi estava prestes a cair dentro de um poço de depressão e encontrei abrigo no álcool e cigarros, logo depois nas drogas. Mas depois de conhecê-lo, passei a encontrar abrigo ao seu lado, logo depois em seus braços e carícias.

Como me ajudou...

Eu havia tentado esconder meu vicio daquele que cada vez estava mais presente em meus dias, mas era claro que logo Mathew descobriria. Eu não sabia o motivo antes, mas ele me convenceu a ir morar com ele em seu apartamento, logo depois percebi o que ele pretendia fazer e isso me deixou feliz, de uma forma estranha para mim. Se me conhece diria que ficaria irritada, mas logo percebi também que não me conhecia mais e ele era o único que tinha ao meu lado e que, de alguma forma, tentava me ajudar. Em silêncio nos comunicávamos sobre aquilo e o ajudei a me ajudar, não foi fácil, nunca seria. Tive crises horríveis, mas com ele a meu lado consegui livrar-me de tudo aquilo e tê-lo como minha única droga.

Aquele que fez de tudo para que eu seguisse meus sonhos...

Em uma manhã que estava jogada sobre o sofá dele me perguntando se realmente tinha algum motivo para estar na Terra, meu celular tocou.
O propósito da ligação fez as lágrimas descrerem por minhas bochechas, logo liguei para Mathew - que estava trabalhando no hospital -, dei a nova notícia enquanto saltitava pela sala entusiasmada, com a mesma animação que sentia ele me parabenizou e disse o quanto eu merecia a vaga de trabalho que havia conseguido e que trabalhar naquele café era apenas um passo para um futuro grandioso que me aguardava.
Mathew foi à única pessoa que me encorajou a seguir meus sonhos, ele já sabia que eu só havia entrado na faculdade de medicina por pressão de meus pais e que meu sonho na verdade era dançar, não por sucesso, não por dinheiro, e sim porque era algo que amava tanto.
Aos poucos descobri que na verdade ele havia conseguido aquele trabalho para que eu pudesse pagar o curso de dança, foi por algumas palavras de meu chefe ou por alguma pesquisa no computador que ele dividia comigo que descobri. Naquela noite briguei com ele pela primeira vez, a primeira briga séria que tivemos, e passei a noite na rua enquanto a ideia de ele pensar que não era boa o suficiente para conseguir meu próprio emprego tilintava em minha mente.

- Você acha que eu não poderia conseguir aquela vaga por mérito próprio? – perguntei com raiva, quase gritava com o homem em minha frente, Mathew havia acabado de chegar exausto de seu trabalho, o homem que apenas queria ajudar a mulher desajustada que agora gritava enlouquecida com ele.
- Loren, me desculpe... Eu não quero tirar seu mérito. – dizia ele tocando meu ombro, seus olhos cansados pareciam implorar para que o perdoasse enquanto movimentava seus dígitos com delicadeza sobre minha blusa fina. – Eu não aguentava mais te ver sofrendo pelos cantos enquanto se acusava de ser um nada no mundo. – eu o olhei com os olhos marejados. – Eu sei que você pensa isso... – mas meu cérebro idiota não me permitiu perdoá-lo naquela noite.

As loucuras que fazemos quando apaixonados...

Mathew segurava minha mão com força enquanto andávamos pelo parque, eu não estava confortável em andar daquela forma com ele, mas havia me dito que havia algo importante para fazermos naquele dia.
- Você quer se casar comigo? – ele me perguntou pousando seus olhos sobre mim.
- Casar? – perguntei um pouco assustada, estávamos apenas alguns meses juntos e já achava que morar juntos era um avanço precário.
- Sim, vamos casar. – disse simples e animado de mais com a ideia. – Vamos agora até o cartório e assinaremos a certidão de casamento. – sem acreditar em mim mesma apenas sorri enquanto balançava a cabeça aceitando seu pedido um tanto quanto estranho.

Quando o perdi...

A única coisa que me lembro com detalhes foi quando o perdi, lembro exatamente de como minha mente rodava não acreditando na notícia que havia recebido. Sou capaz de lembrar de cada palavra que me disseram naquela ligação, mais uma vez aquele celular amaldiçoado me trazia a notícia de que alguém que amava havia morrido, alguém que não merecia aquilo e era a melhor pessoa que havia conhecido ou sequer conheceria algum dia, o homem que amava e havia me mostrado o quão boa a vida poderia ser, não importava as coisas ruins que poderiam acontecer pelo caminho.
Maldito era aquele hospital que havia o convidado para trabalhar, maldito hospital que arrancou sua vida preciosa de mim me deixando novamente sozinha.

- TODOS PARA O CHÃO! – o homem armado gritou apontando a arma na direção de qualquer um que se movimentasse, os pacientes que aguardavam serem chamado entraram em pânico, assim como os funcionários. – Isso é um assalto! – exclamou ele, por baixo de sua máscara sorria enquanto mais bandidos chegavam atrás do homem de preto.

Depois daquilo eu simplesmente não queria mais viver, qual era o problema do mundo comigo? Qual era seu motivo de tirar tudo o que tinha e que amava? A coisa que eu mais temia em pensar algum dia em minha vida me veio mente.

Deparei-me com minha figura pálida em frente ao espelho embaçado, prestes abrir o armário a procura de algum tipo de remédio, em minha mão segurava com força o testamento do homem que amava e havia morrido.
- POR QUE VOCÊ TERIA UM TESTAMENTO? – gritei sozinha no banheiro frio enquanto minhas pernas cediam sobre o chão, as letras pretas estavam borradas por culpa das lágrimas em meus olhos, novamente tentava ler aquele maldito papel que arrancava meu chão.
Tudo o que ele tinha havia deixado para mim, não queria nada daquilo, não queria que ele me deixasse nada, só queria ele de volta, era a coisa que mais havia desejado em toda minha vida até aquele momento.

O casamento e o testamento... Parecia que ele sabia de algo, que sentia algo, mas nunca disse nada.

O “algo importante” que ele me deixou...

Não fui capaz de fazer nada, apenas fiquei deitada em sua cama por incontáveis dias enquanto me lamentava, queria que algo acontecesse, queria encontrá-lo novamente, não importava como.
Sentia-me mal, estava enjoada e o que já não comia colocava para fora, foi quando algo se passou por minha mente.


O choro que soou ao longe no quarto me fez largar o pequeno caderno sobre a mesa, secando minhas lágrimas me levantei e segui até o quarto com um sorriso nos lábios.
- Olha quem acordou. – disse boba pegando o pequeno menino em meus braços e o balançando levemente. Os fios finos de cabelo apareciam loiros sobre a cabeça do bebê de apenas alguns meses.

E mais uma vez ele me era a força para seguir em frente. Mesmo que fosse um pedaço de si deixado para trás de propósito ou sem querer, eu iria seguir forte por aquela criança, agora nosso filho era meu motivo para permanecer aqui, ele precisaria de mim e precisaria de alguém para lhe dizer o quão maravilhoso seu pai era e para se perguntar por que diabos ele havia escolhido uma mulher desajustada como eu?




Fim.



Nota da autora: Sem nota.



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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